World Gastroenterology Organisation

Global Guardian of Digestive Health. Serving the World.

 

World Gastroenterology Organisation Global Guidelines

Carcinoma hepatocelular (CHC):
uma perspectiva mundial

 

Novembro de 2009

 

Equipe de revisão:

Peter Ferenci (Presidente) (Áustria)

Michael Fried (Suíça)
Douglas Labrecque (EUA)
J. Bruix (Espanha)
M. Sherman (Canadá)
M. Omata (Japão)
J. Heathcote (Canadá)
T. Piratsivuth (Tailândia)
Mike Kew (Sudáfrica)
Jesse A. Otegbayo (Nigéria)
S.S. Zheng (China)
S. Sarin (Índia)
S. Hamid (Paquistão)
Salma Barakat Modawi (Sudão)
Wolfgang Fleig (Alemanha)
Suliman Fedail (Sudão)
Alan Thomson (Canadá)
Aamir Khan (Paquistão)
Peter Malfertheiner (Alemanha)
George Lau (Hong Kong)
F.J. Carillo (Brasil)
Justus Krabshuis (França)
Anton Le Mair (Países Baixos)


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(Clique para expandir secção)

1.  Introdução

A cada ano falecem mais de 600.000 pessoas por causa do carcinoma hepatocelular (CHC). É preciso intensificar a investigação sobre a doença a nível mundial, tanto no âmbito médico quanto no farmacêutico, particularmente se concentrando em oferecer ajuda às áreas onde os recursos são limitados.

Os enfoques de tratamento dependem do estágio da doença no momento do diagnóstico e do acesso a regimes de tratamento complexos. No entanto, a doença em estágio avançado não é curável. Seu manejo é caro e sua eficácia para aumentar os anos de vida ajustados pela qualidade é meramente marginal.

A prestação de serviços de atendimento do CHC pode ser melhorada desenvolvendo centros de excelência. A concentração de atendimento médico nesses centros permite uma melhor capacitação dos profissionais especializados no assunto, para que as ressecções sejam realizadas por cirurgiões familiarizados com a patologia hepática, os limites da ressecção e outros procedimentos pertinentes.

Os novos agentes mais promissórios estão fora do alcance dos que mais se beneficiariam: nos países com recursos limitados, o sorafenib está fora de questão para uso geral. A seguir, alguns exemplos pontuais de custos mensais de um tratamento com sorafenib, a preço de farmácia: US$ 7.300 na China, US$ 5.400 nos EUA, US$ 5.000 no Brasil, € 3.562 na França, e US$ 1.400 na Coreia (fonte: N Engl J Med 2008; 359: 378–90; PMID 18650519).

Portanto, desde uma perspectiva geral, a tarefa mais urgente é evitar a aparição do CHC. A única estratégia eficaz é a prevenção primária da hepatite viral, e na maioria dos países isto já está sendo atendido mediante a vacinação dos recém-nascidos contra hepatite B. Outras estratégias importantes são a prevenção ao abuso de álcool, à disseminação do vírus de hepatite C (VHC) e da síndrome metabólica. Outra tarefa importante é evitar a formação de aflatoxinas, aplicando um correto manejo das colheitas e do armazenamento de alimentos. A segunda abordagem consiste em aumentar a consciência da comunidade médica para que promova a vigilância dos pacientes em risco, o que permitiria diagnósticos mais precoces e, por conseguinte, a possibilidade de fazer ressecções ou ablações de lesões pequenas.

Prevalência e incidência mundial

O CHC é a sexta neoplasia mais frequente em nível mundial. É uma doença maligna que ocupa o quinto lugar entre os homens e o oitavo entre as mulheres. É a terceira causa de morte por câncer, após o câncer de pulmão e de estômago.

O CHC é a doença maligna mais comum em várias regiões da África e Ásia. Pelo menos 300.000 das 600.000 mortes que ocorrem a nível mundial sucedem na China, e a maioria das 300.000 mortes restantes têm lugar em países com grandes carências de recursos na África subsaariana. É muito provável que estas cifras devastadoras sejam devidas a:

  • Incapacidade em reconhecer os sujeitos em risco (com hepatite B e/ou C)
  • A alta prevalência de fatores de risco na população
  • A falta de boa formação dos profissionais da saúde e de instalações que permitam um diagnóstico precoce
  • Falta de tratamento eficaz após feito o diagnóstico

Outros fatores importantes incluem a má adesão ao tratamento, a não participação (ou participação inadequada) em programas de vigilância, o que leva à consulta tardia de pacientes que apresentam tumores de grande tamanho; a falta de conhecimento dos benefícios do tratamento do CHC e das formas de evitar a doença hepática subjacente, além de que alguns médicos são contrários à conveniência da triagem. No Japão, Estados Unidos, América Latina e Europa, a hepatite C é a principal causa do CHC. A incidência do CHC é 2–8% por ano em pacientes com hepatite C crônica e cirrose estabelecida. No Japão, a mortalidade devida a CHC tem mais que triplicado desde meados da década de 70. A infecção pelo VHC explica 75–80% dos casos e o vírus da hepatite B (VHB) é responsável por 10–15% dos casos. Na década de 50 e 60, o CHC associado a VHC estava relacionado às transfusões sanguíneas, uso de drogas intravenosas e reutilização de seringas e agulhas. Em muitos países (mas não em todos), a propagação do VHC vai diminuindo, mas a migração tem feito que a carga da doença não tenha variado.

Na Ásia, África, e em alguns países do leste da Europa a hepatite B crônica é a principal causa do CHC, superando amplamente o impacto da hepatite C crônica (Fig. 1). De 300 milhões de pessoas infectadas com VHB no mundo, 120 milhões são chineses. Na China e na África a hepatite B é a principal causa do CHC; cerca de 75% dos pacientes que desenvolvem CHC apresentam hepatite B.

 

Fig. 1 Distribuição geográfica da infecção crônica do vírus da hepatite B em nível mundial (Fonte: Centros para Controle de Doenças, 2006).

Fatores de risco para o CHC

O CHC está associado à doença hepática, independentemente da causa específica da doença, podendo intervir fatores:

  • Infecciosos: hepatite B ou C crônicas.
  • Nutricionais e tóxicos: álcool, obesidade (doença gordurosa não-alcoólica do fígado), aflatoxina (co-fator com o VHB), tabaco.
  • Genéticos: tirosinose, hemocromatose (sobrecarga de ferro). No entanto, a sobrecarga de ferro como causa em si mesma e como resultado de uma ingestão dietética (devido à cocção em panelas de ferro) gera controvérsias.
  • Deficiência de α1-antitripsina.
  • Imunológicos: hepatite crônica ativa autoimune, cirrose biliar primária.

Os principais fatores de risco para o CHC são:

  • Infecção crônica pelo vírus da hepatite B ou C.
  • Cirrose alcoólica.
  • Esteato-hepatite não alcoólica.
  • Diabete (a síndrome metabólico é o processo de risco mais provável).
  • A cirrose por si mesma, de qualquer causa.
  • Na Europa, América do Norte e no Japão, o CHC aparece fundamentalmente em pacientes com cirrose já estabelecida.

O risco de apresentar CHC em pacientes infectados pelo VHB aumenta com:

  • Carga viral
  • Sexo masculino
  • Terceira idade
  • Presença de cirrose
  • Exposição às aflatoxinas
  • Localização na África subsaariana, onde os pacientes apresentam CHC em uma idade mais jovem

O risco de apresentar CHC em pacientes infectados pelo VHB e cirrose aumenta quando combinado com:

  • Abuso concomitante de álcool
  • Obesidade/Resistência à insulina
  • Infecção prévia ou concomitante pelo VHB

Atenção primária

Achados físicos:

  • Se o tumor é pequeno frequentemente não existem sintomas
    • Talvez não não haja nenhum sinal físico, em absoluto
    • Sinais relacionados com a doença hepática crônica e/ou cirrose subjacente
  • Em casos mais avançados:
    • Massa palpável no abdome superior ou superfície hepática dura, irregular
    • Desconforto no quadrante superior direito do abdome
    • Esplenomegalia, ascite, icterícia (também sintomas de cirrose)
    • Sopro arterial sobre o fígado (audível sobre o tumor)

Sinais que também poderiam levantar a suspeita de CHC em pacientes com cirrose previamente compensada:

  • Deterioração rápida da função hepática
  • Ascite de início recente (ou refratária)
  • Sangramento intra-abdominal agudo
  • Aumento da icterícia
  • Perda de peso e febre
  • Encefalopatia de início recente
  • Sangramento varicoso

Os pacientes com CHC terminal podem consultar por:

  • Dor no quadrante superior direito do abdome
  • Sinais e sintomas de cirrose subjacente
  • Debilidade
  • Distensão abdominal
  • Sintomas gastrointestinais inespecíficos
  • Icterícia
  • Perda de apetite
  • Perda de peso
  • Anorexia

Achados laboratoriais:

  • Habitualmente inespecíficos
  • Sinais de cirrose:
    • Trombocitopenia
    • Hipoalbuminemia
    • Hiperbilirrubinemia
    • Coagulopatia
  • Transtornos eletrolíticos
  • Alterações das enzimas hepáticas, mas inespecíficas
  • Alfa-fetoproteína elevada (AFP; requer definições de níveis e instalações adequadas)
  • Fosfatase alcalina (FA) elevada

Seguimento a ser realizado cada 3–6 meses para avaliar o paciente depois do tratamento:

  • Exame físico
  • Exames de sangue de laboratório
  • Tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM) e ecografia

Uma consulta de avaliação com especialista pode ajudar a:

  • Confirmar o diagnóstico (e excluir outras alternativas possíveis, por exemplo, outras doenças hepáticas).
  • Determinar o grau de comprometimento do fígado e de sua função (remanescente).
  • Excluir doenças extra-hepáticas.
  • Escolher a melhor opção terapêutica, incluindo os cuidados paliativos. Se houver centros especializados por perto, recomenda-se geralmente encaminhar os pacientes com CHC para esses centros, para receber um ótimo atendimento e as melhores opções de cuidados nas diferentes áreas de conhecimento com a idoneidade requerida.

Diagnóstico

Avaliação inicial do paciente:

  • História completa
  • Exame físico completo
  • Exames laboratoriais iniciais:
    • Hemograma completo
    • Glicemia
    • Função renal e eletrólitos séricos
    • Alfa-fetoproteína
    • Albumina
    • empo de protrombina
    • lanine aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase (AST), fosfatase alcalina (ALP), bilirrubina
  • Antígenos de superfície da hepatite B (HBsAg) e anti-HVC (se ainda não for conhecido seu estado)
  • Radiografia de tórax e/ou TC

Também pode-se a considerar citologia do líquido de ascite apesar de sua baixa sensibilidade; na África é simples e praticável.

Testes diagnósticos (Tabela 1). Para estabelecer o diagnóstico de CHC, é suficiente encontrar os seguintes elementos combinados: aparência clássica em uma das modalidades imaginológicas – isto é, uma grande massa hepática e/ou massas hepáticas multifocais com hipervascularidade arterial, e aumento dos níveis séricos de AFP, em um paciente portador de uma doença hepática crônica (geralmente assintomática), e geralmente em um estádio cirrótico.

 

Tabela 1 Testes utilizados para diagnosticar carcinoma hepatocelular


AFP, alfa fetoproteína; TC, tomografia computadorizada; RMN, ressonância magnética nuclear.

 

Imaginologia de ultra-som, TC, ou RMN. A radiologia e/ou a biópsia são ferramentas diagnósticas definitivas. A ecografia (ultra-som) com contraste pode dar falsos positivos, informando como CHC a pacientes portadores de um colangiocarcinoma intrahepático. A AFP é uma ferramenta auxiliar diagnóstica. Os níveis persistentes de AFP acima de 400 ng/ml ou um aumento rápido do nível sérico de AFP podem ser úteis como critérios diagnósticos. Em pacientes com níveis de AFP menores, e onde não se dispõe de radiologia, o diagnóstico de CHC só pode ser feito mediante utilização de critérios clínicos. Embora as opções de tratamento do CHC sejam limitadas ou não estiverem disponíveis, é possível dispor da infra-estrutura necessária para fazer determinações de AFP e ultra-som.

Notas de precaução

  • É importante distinguir entre o uso do teste de AFP como ferramenta de triagem e seu uso como ferramenta diagnóstica. Embora seja considerada na China uma ferramenta de triagem útil e fatível, nem todos concordam. Funciona melhor como ferramenta diagnóstica. Um teste de AFP positivo (superior a 400 ng/ml, por exemplo), pode ser considerado para diagnóstico, mas um AFP negativo ou abaixo do ponto de corte predeterminado não exclui CHC, dado que até 40% dos sujeitos com CHC nunca produzirá AFP. No entanto, 90% dos pacientes de raça negra na África têm níveis elevados de AFP superiores ao valor considerado diagnóstico de 500 ng/ml, observável em 70% dos pacientes. Entretanto, isto, por sua vez, pode refletir a consulta tardia destes pacientes. Em Ocidente o teste de AFP é menos útil.
  • O achado de níveis aumentados de AFP junto com uma tumoração equivale a diagnóstico de malignidade, mas não é possível distinguir entre CHC e colangiocarcinoma. A incidência de colangiocarcinoma está aumentando, e a cirrose é um fator de risco. Portanto, se os achados radiográficos são concluintes, o diagnóstico é seguro, mas se não for assim, recomenda-se realizar uma biópsia para confirmar o diagnóstico.

Cascatas— enfoque segundo os recursos disponíveis

Uma “cascata” é um conjunto hierárquico de opções diagnósticas, terapêuticas e de tratamento, para manejar o risco e a doença, levando em conta a disponibilidade de recursos em nível local.

Nas regiões e países que dispõem de transplante hepático para tratamento do CHC, resulta fatível aplicar o padrão ouro terapêutico. Nos outros, se pode fazer ressecção e/ou ablação local, mas não transplante hepático. Que mais se pode fazer nas diferentes situações nas quais não se dispõe de transplante ou ressecção e/ou ablação local?

O presente guia pretende responder essa pergunta aplicando cascatas que variam segundo os recursos disponíveis: para áreas com recursos mínimos e médios, o guia propõe a prevenção primária e secundária, a avaliação dos pacientes e as opções de tratamento. Para as regiões e países de altos recursos, deve-se consultar o guia publicado pela Associação Americana para o Estudo das Doenças Hepáticas (AASLD: American Association for the Study of Liver Diseases).

2. Recursos mínimos

  • As regiões de recursos mínimos são definidas como aquelas onde praticamente nenhuma opção de tratamento está disponível. Aí se prioriza a prevenção e o tratamento sintomático. No melhor dos casos, em algumas áreas poderá se realizar ressecções ou ablações locais.
  • A definição dos critérios de encaminhamento ao especialista é um assunto complexo. Tendo em vista que os pacientes com casos avançados (que, nos países com escassez de recursos, constituem a maioria) não têm outras opções de tratamento além dos cuidados de apoio, o encaminhamento tende a ser uma medida fútil. Só aqueles pacientes identificados precocemente (o qual requer tecnologia imaginológica) podem ser beneficiados e deveriam ser encaminhados para especialistas.
  • Todas as recomendações deveriam priorizar a prevenção primária bem como o tratamento da hepatite viral e da cirrose.

Prevenção primária do CHC

Particularmente, quando os tratamentos potencialmente curativos não estão disponíveis, a prevenção primária é muito importante para reduzir o risco de CHC (Tabela 2).

  • A estratégia de prevenção através da vacinação contra a hepatite viral (HVB) já é aplicada em 152 países, mas deveria estender-se a todo o mundo. Ela recebe apoio de organizações não-governamentais (ONGs) como a Fundação Gates e a Aliança Global para Vacinas e Imunizações (GAVI, na sigla em inglês de Global Alliance for Vaccines and Immunization).
    • A vacinação custa menos de um dólar na Nigéria, e a vacina é administrada de forma gratuita aos bebês nos hospitais públicos e centros de vacinação através do Programa Nacional de Imunizações (NPI, na sigla em inglês).
    • Paquistão tem em funcionamento o “Programa Ampliado de Imunizações” (EPI, na sigla em inglês) da Organização Mundial da Saúde, que oferece vacinação gratuita a todos os recém- nascidos.
  • Se necessário, deve-se recomendar terapia antiviral:
    • Em muitos países, os problemas da terapia antiviral são seu manejo (resistência aos medicamentos), a adesão dos pacientes e a educação.
    • Os custos podem também ser um problema, embora alguns medicamentos sejam relativamente baratos. Um ano de terapia com lamivudina custa US$ 165 no Sudã; adefovir é barato na Índia e na China; e entecavir na China custa US$5/dia comparado com US$ 22/dia nos países desenvolvidos.
  • O trabalho de educação sobre a saúde em hepatite viral deveria dar ênfase às formas de propagação da doença relacionadas com as práticas locais envolvendo contato sangue-sangue, tais como circuncisão, escarificação, marcas tribais e tatuagens; cuidado das chagas ou feridas abertas e as marcas, desinfecção de equipamentos de extração de peças dentárias de uso múltiplo, e reutilização de agulhas (ou ampolas com múltiplas doses).

 

Tabela 2 Opções para prevenção primária do carcinoma hepatocelular


HBeAg, antígeno "e" da hepatite B ; IGHB, imunoglobulina para hepatite B.
* Decidir qual indivíduo com hepatite B ou C requer tratamento é um assunto complexo que vai além do alcance deste documento.

 

Prevenção secundária do CHC —vigilância

A estratégia de triagem deve ser incentivada nas regiões onde é possível oferecer tratamento curativo para o CHC. Não tem muito sentido realizar triagem massiva de uma população se os recursos para sua investigação e posterior tratamento não estão disponíveis. A triagem só deve ser empreendida se pelo menos uma das seguintes opções de manejo estiver disponível: transplante hepático, ressecção hepática, quimioembolização transarterial (TACE) ou técnicas de ablação. Alguns países utilizam o tratamento com ácido acético (vinagre).

Um dos pontos de partida da triagem é identificar pacientes assintomáticos com CHC. Se no momento do diagnóstico o paciente apresenta sintomas de câncer, o resultado não é bom e é improvável que o tratamento tenha boa relação custo-eficácia.

Opções de tratamento

Entre as opções de tratamento apropriadas que podem estar ou não além do alcance das instalações médicas locais, incluem-se:

  • Ressecção hepática parcial
  • Injeção percutânea de etanol (PEI, na sigla em inglês) ou ablação por radiofrequência (RFA, na sigla em inglês)
  • Quimioembolização transarterial (TACE, na sigla em inglês)

A quimioterapia tradicional não tem espaço no manejo do CHC. Sempre que possível, e se for necessário, deve-se oferecer tratamento sintomático aos pacientes.

3. Recursos médios

  • As regiões de recursos médios são definidas como aquelas nas quais se dispõe tanto de ressecção como de ablação para o tratamento do CHC, não sendo o transplante uma opção.
  • Além da prevenção primária do CHC (como foi analisado acima em “Recursos mínimos”), é possível dar recomendações detalhadas sobre a vigilância, diagnóstico e tratamento.
  • A prestação de serviços médicos e sanitários para CHC pode melhorar desenvolvendo centros de excelência- concentrando o atendimento médico é possível aumentar o nível de competência profissional, permitindo que as ressecções sejam realizadas por cirurgiões familiarizados com a doença hepática e conscientes das limitações de cada modalidade de tratamento.

Prevenção secundária do CHC—vigilância

Quando ressecção e/ou ablação local para o tratamento do CHC estão disponíveis, deve-se enfatizar a vigilância.

A prevenção primária - isto é – a vacinação dos menores contra hepatite B, é ótima para reduzir o risco de CHC. O diagnóstico precoce e o tratamento são essenciais para melhorar a sobrevivência, mas a prevenção do CHC recidivante segue sendo um importante desafio.

A vigilância do CHC pode melhorar a detecção precoce da doença. Em termos gerais, as opções de tratamento são mais amplas quando o CHC é detectado na tenra idade.

  • É indispensável detectar a doença precocemente para ter um melhor prognóstico.
  • Nas regiões nas quais é possível oferecer um tratamento curativo para o CHC, deve-se incentivar a triagem.
  • Os fatores de risco para o CHC são bem conhecidos, razão pela qual a vigilância tem uma boa relação custo/eficácia.

A triagem para detecção precoce do CHC é recomendada para grupos de pacientes de alto risco enumerados na Tabela 3.

 

Tabela 3 Critérios para triagem do carcinoma hepatocelular

 

A vigilância inclui fixar testes de triagem, intervalos de triagem, critérios diagnósticos e procedimentos de rechamada. (Tabela 4).

  • Dependendo da condição clínica e dos recursos disponíveis, recomenda-se um intervalo de triagem ecográfica de 6–12 meses.
  • Em casos avançados e em pacientes com cirrose, a triagem ecográfica deve ser realizada cada 4–6 meses.
  • A educação dos pacientes é um pré-requisito essencial.

 

Tabela 4 Técnicas de vigilância


Ver “Notas de precaução” em “Diagnóstico”.

 

Prevenção terciária do CHC —recidiva

A recidiva do CHC pode resultar de uma carcinogênese multicêntrica ou de um tratamento inicial inadequado. A prevenção da recidiva do CHC exige um diagnóstico precoce e a completa exérese das lesões primárias do CHC.

Atualmente, não existe nenhuma prova da eficácia da prevenção terciária do CHC com nenhum agente, inclusive quimioterapia, terapia do VHB e do VHC, ou interferon (IFN).

  • Ainda não existe um agente quimioterápico seguro e eficaz capaz de evitar a recidiva do CHC.
  • Aparentemente, os agentes dirigidos seletivamente a moléculas específicas mostram uma atividade clínica promissória, mas a média de sobrevivência que proporcionam não é satisfatória e são muito custosos.
  • Os pacientes desenvolvendo uma hepatite B ativa complicada com CHC, e que apresentam Child–Pugh classe A ou B, requerem análogos de nucleotídeos/nucleosídeos anti-VHB por via oral.

Avaliação

O manejo do CHC está mudando. Nos países desenvolvidos, cada vez mais, os pacientes com CHC estão sendo avaliados e manejados em centros especializados por equipes multidisciplinares formadas por hepatologistas, oncologistas, radiologistas, cirurgiões e patologistas.

O sistema de estadiamento da Clínica de Câncer Hepático de Barcelona (BCLC) leva em conta variáveis vinculadas ao estádio de evolução do tumor, à função hepática, ao estado físico e aos sintomas vinculados ao câncer, e relaciona estas variáveis com as opções de tratamento e as expectativas de vida. De acordo a esse sistema de estadiamento, os pacientes podem ser classificados como:

  • CHC precoce: um único nódulo ou três nódulos ≤ 3 cm. Estes pacientes podem beneficiar-se das terapias curativas.
  • CHC intermédio: multinodular. Estes pacientes podem beneficiar-se da quimioembolização.
  • CHC avançado: multinodular com invasão portal. Estes pacientes podem beneficiar-se de tratamentos paliativos; pode-se considerar novos agentes.
  • CHC terminal: muito má expectativa de vida; tratamento sintomático.

Após confirmar o diagnóstico de CHC, a função hepática constitui um dos principais fatores no processo de seleção de tratamento; deve-se estabelecer o estado de funcionalidade e a presença de outras patologias concomitantes.

Aspectos importantes para avaliar a função hepática:

  • Classificação de Child–Pugh:
    • Bilirrubina (total)
    • Albuminemia
    • Razão normalizada internacional de protrombina (INR)
    • Ascite
    • Encefalopatia hepática
  • Opcional: gradiente de pressão venosa hepática. Um resultado > 10 mmHg confirmaria uma hipertensão portal clinicamente relevante, um dado importante se for planejada uma ressecção cirúrgica.

Opções de tratamento

As opções de tratamento dependem em grande parte da função hepática, do tamanho do tumor e da presença ou ausência de lesões metastáticas ou de invasão vascular. Na maioria dos casos, os tratamentos curativos como a ressecção, a ablação por radiofrequência ou o transplante hepático não são fatíveis, limitando as opções ao manejo paliativo. Portanto, a triagem das populações em risco é a única maneira de detectar tumores em seu estágio inicial que podem ser tratados. A maioria das opções de tratamento são caras e/ou requerem centros especializados. Nos países em desenvolvimento, a ressecção e ablação local são as opções terapêuticas mais prováveis em pacientes com CHC identificado durante a vigilância.

Tanto a ressecção como a ablação podem ser curativas quando os tumores são pequenos.

  • Ressecção hepática parcial:
    • Pode ser uma abordagem curativa para CHC.
    • Só uns poucos pacientes qualificam para esta opção, devido ao estágio avançado da doença e/ou por apresentar uma função hepatocítica reduzida.
    • A recaída pode ser na realidade um tumor residual tratado de forma incompleta inicialmente, ou ser uma verdadeira recidiva, isto é, um segundo tumor independente que surge em fígado propenso às neoplasias.
  • Injeção percutânea de etanol (PEI) ou ablação por radiofrequência (RFA):
    • São seguros e eficazes quando a ressecção não é uma opção ou quando o paciente está à espera do transplante.
    • Embora seja possível praticar a PEI em qualquer região, para fazê-la deve-se dispor pelo menos de ultrassonografia.
    • PEI e RFA são igualmente eficazes para tumores < 2 cm.
    • A RFA é mais eficaz que a injeção de álcool em tumores maiores que 3 cm.
    • O efeito necrotizante de RFA é mais previsível, seja qualquer for o tamanho do tumor.
  • Quimioembolização transarterial (TACE). Este é o padrão de tratamento para os pacientes com boa função hepática e uma doença não passível de cirurgia ou ablação, mas sem disseminação extra-hepática, invasão vascular, nem sintomas de câncer.

A Tabela 5 apresenta uma descrição recente dos tratamentos, seus benefícios no CHC, e o esquema de níveis de evidência desenvolvido por um painel de peritos da AASLD.

 

Tabela 5 Descrição do painel de peritos da (AASLD) American Association for the Study of Liver Diseases dos tratamentos, benefícios, e níveis de evidência no carcinoma hepatocelular


Fonte: Llovet JM, Di Bisceglie AM, Bruix J, et al. Design and endpoints of clinical trials in hepatocellular carcinoma. J Natl Cancer Inst 2008;100:698–711.
* Classificação da evidência adaptada ao Instituto Nacional de Câncer: www.cancer.gov. Desenho do estudo: ensaio controlado aleatorizado, meta-análise = 1 (duplo cego 1i; não- cego 1ii). Ensaios controlados não aleatorizados = 2. Séries de casos = 3 (baseado em populações 3i; não populacionais, consecutivo 3ii; não populacionais, não consecutivos 3iii). Variáveis primárias: sobrevivência (A), mortalidade específica para causa (B), qualidade de vida (C). Substitutos indiretos de (D): sobrevivência livre de doença (Di), sobrevivência livre de progressão (Dii), resposta do tumor (Diii).
Embora o sorafenib não esteja disponível para uso terapêutico nas regiões e países de baixos recursos, ou inclusive nos de recursos médios, seu impacto tem demonstrado ser tão bom ou melhor que muitas opções oncológicas sistêmicas usadas para o tratamento de outros cânceres.

 

Cuidados paliativos

  • Aos pacientes com cirrose classe C de Child–Pugh deve-se lhes oferecer somente tratamento sintomático.
  • Em centros especializados, dispõe-se de métodos experimentais mais recentes tais como a braquiterapia e a terapia de radiação interna seletiva (SIRT).

4. Recursos altos

  • As regiões de altos recursos se definem como aquelas nas quais se dispõe de transplante hepático para o tratamento do CHC.
  • Para uma discussão detalhada das opções diagnósticas e terapêuticas e a interpretação dos resultados da quimioterapia, deve consultar-se o Guia para Prática Clínica da AASLD (AASLD Practice Guideline) (Bruix J, Sherman M. Management of hepatocellular carcinoma. Hepatology 2005;42:1208–36).
Para acesso direto à versão online do Guia Global de AASLD, clique aqui.

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